A imprensa brasileira está sob risco de desaparição e, de imediato, da sua redução à intranscendência, como caminho para sua desaparição.
Mas, ao contrário do que ela costuma afirmar, os riscos não vem de fora – de governos “autoritários” e/ou da concorrência da internet. Este segundo aspecto concorre para sua decadência, mas a razão fundamental é o desprest ígio da imprensa, pelos caminhos que ela foi tomando nas ultimas décadas.
No caso do Brasil, depois de ter pregado o golpe militar e apoiado a ditadura, a imprensa desembocou na campanha por Collor e no apoio a seu governo, até que foi levada a aderir ao movimento popular de sua derrubada.
O partido da imprensa – como ela mesma se definiu na boca de uma executiva da FSP – encontrou em FHC o dirigente politico que casava com os valores da m ídia: supostamente preparado pela sua formação – reforçando a ideia de que o governo deve ser exercido pela elite -, assumiu no Brasil o programa neoliberal que já se propagava na América Latina e no mundo.
Venderam esse pacote importado, da centralidade do mercado, como a “modernização”, contra o supostamente superado papel do Estado. Era a chegada por aqui do “modo de vida norteamericano”, que nos chegaria sob os efeitos do “choque de capitalismo”, que o pa ís necessitaria.
O governo FHC, que viria para instaurar uma nova era no pa ís, fracassou e foi derrotado, sem pena, nem glória, abrindo caminho para o que a velha imprensa mais temia: um governo popular, dirigido por um ex-l íder sindical, em nome da esquerda.
A partir desse momento se produziu o desencontro mais profundo entre a velha imprensa e o pa ís real. Tiveram esperança no fracasso do Lula, via suposta incapacidade para governar, se lançaram a um ataque frontal em 2005, quando viram que o governo se afirmava, e finalmente tiveram que se render ao sucesso de Lula, sua reeleição, a eleição de Dilma e, resignadamente, aceitar a reeleição desta.
Ao invés de tentar entender as razões desse novo fenômeno, que mudou a face social do pa ís, o rejeitou, primeiro como se fosse falso, depois como se assentasse na ação indevida e corruptora do Estado. A velha m ídia se associou diretamente com o bloco tucano-demista até que, se dando conta, angustiada, da fragilidade desse bloco, assumiu diretamente o papel de partido opositor, de que aqueles partidos passaram a ser agregados.
A velha m ídia brasileira passou a trilhar o caminho do seu suic ídio. Decidiu não apenas não entender as transformações que o Brasil passou a viver, como se opor a elas de maneira frontal, movida por um instinto de classe que a identificou com o de mais retrogrado o pais tem: racismo, discriminação, calunia, elitismo.
Não há mais nenhuma diferença entre as posições da m ídia – a mesma nos principais órgãos – e os partidos opositores. A m ídia fez campanha aberta para os candidatos à presidência do bloco tucano-demista e faz oposição cerrada, cotidiana, sistemática, aos governos do Lula e da Dilma.
Tem sido a condutora das campanhas de denúncia de supostos casos de corrupção, tem como pauta diária a suposta ineficiência do Estado – como os dois eixos da campanha partidária da m ídia.
Certamente a internet é um fator que acelera a crise terminal da velha m ídia. Sua lentidão, o fato de que os jovens não leem mais a imprensa escrita, favorece essa decadência.
Mas a razão principal é o suic ídio politico da velha m ídia, tornando-se a liderança opositora no pa ís, editorializando suas publicações do começo ao final, sendo totalmente antidemocráticas na falta de pluralismo sequer nas páginas de opinião, assumindo um tom golpista histórico na direita brasileira.
Caminha assim inexoravelmente para sua intranscendência definitiva. Faz campanha, em coro, contra o governo da Dilma e contra o Lula, mas estes tem apoio próximo aos 80%, enquanto irrisórias cifras expressam os setores que assimilam as posições da m ídia.
Uma pena, porque a imprensa chegou a ter, em certos momentos, papel democrático, com certo grau de pluralidade na história do pa ís. Agora, reduzida a um simulacro de “imprensa livre”, ancorada no monopólio de algumas fam ílias decadentes, caminha para seu final como imprensa, sob o impacto da falta de credibilidade total. Uma morte anunciada e merecida.
Emir Sader, sociólogo e cientista, mestre em filosofia pol ítica e doutor em ciência pol ítica pela USP – Universidade de São Paulo.