Os bancos vão começar 2013 preparando-se para uma nova realidade no crédito consignado, aquele empréstimo com desconto em folha de pagamento. O governo deve oficializar até o fim do ano as mudanças na remuneração dos correspondentes bancários, os chamados “pastinhas”, a polêmica figura que faz a intermediação entre o banco e o tomador de empréstimos consignados. Além de limitar a comissão que recebem, as regras mudam a forma como o pagamento é feito.
Enquanto alguns bancos defendem que a novidade vai baratear o consignado e abrir espaço para reduções nos juros da modalidade, há quem acredite que a mudança coloca em xeque o já complicado modelo de negócios de bancos de menor porte, altamente dependentes dos “pastinhas”.
A princ ípio, as novas regras vão valer apenas no crédito consignado para aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), que responde por 80% das operações, segundo estimativas do mercado. Contudo, a expectativa de instituições financeiras ouvidas pelo Valor é que logo se expandam para todo o mercado de consignado, que soma R$ 181,5 bilhões, ou quase 60% do crédito pessoal.
Segundo o secretário de pol íticas de previdência social, Leonardo Rolim, a instrução normativa que oficializa as mudanças no consignado deve ser publicada até o fim do ano. O teor das alterações já foi divulgado no começo de outubro.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) deve fixar um teto na comissão paga para o “pastinha” de até 10% do valor do empréstimo. Outra mudança prevê que a comissão será paga de forma parcelada ao longo do prazo do empréstimo, e não mais 100% no ato da contratação do crédito.
O documento vem sendo preparado em conjunto pelo Ministério da Previdência, pelo INSS e pelo Banco Central. “A principal discussão agora é como será feita a transição para as novas regras”, afirma Rolim. Segundo ele, duas alternativas são estudadas para o parcelamento da comissão. A primeira é um per íodo de “carência”, em que o pagamento 100% à vista continuaria valendo até que o mercado se adaptasse. A segunda é criar um modelo intermediário, em que a parcela da comissão paga no ato da contratação começasse maior em 2013 e fosse sendo reduzida aos poucos nos anos seguintes.
O objetivo das novas regras é diminuir o incentivo para uma prática comum no consignado, em que o “pastinha” oferece empréstimos de diferentes bancos para um mesmo cliente. Assim, carrega um empréstimo de um banco para outro, numa espécie de rouba-monte, e recebe a comissão diversas vezes. Pela regra nova, com a remuneração sendo paga mês a mês, no momento em que o empréstimo é quitado em um banco e migra para outro, a primeira instituição para de pagar a comissão.
“No consignado, a competição hoje não se dá nas taxas, mas em quem paga mais para o ‘pastinha'”, diz o executivo de um grande banco ouvido pelo Valor. A figura desse intermediário acabou afastando bancos de grande porte do negócio por muito tempo. Só neste ano, por exemplo, é que o Itaú Unibanco se associou ao BMG para entrar no segmento com força.
Para alguns bancos, além de disciplinar a “concorrência predatória”, as medidas do INSS devem reduzir as taxas de juros da operação, pois abrem espaço para corte de custo para instituições menores. Segundo dados da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), que representa as instituições de médio porte, o valor médio das comissões gira em torno de 15%.
Embora seja um pleito antigo de alguns bancos, as mudanças na remuneração do pastinha não são unanimidade entre as instituições financeiras. Têm sido criticadas principalmente entre os bancos de menor porte, mais dependentes dos intermediários, pois não têm uma rede de agências para distribuir seus produtos
“é delicado o governo regular um mercado por meio do preço. Não é algo tão trivial”, diz o presidente de um banco médio, referindo-se ao teto estabelecido para a comissão do correspondente. “Ao fazer isso, pode-se limitar a expansão de bancos que usam a comissão como uma arma para crescer em certos momentos.”
Hoje, esse já é um mercado que passa por regulação de preços. Pelas regras do governo, a taxa máxima de juros que os bancos podem cobrar dos aposentados e pensionistas do INSS é de 2,14% ao mês.
Em recente análise, o banco Brasil Plural avaliou que Banco do Brasil, Banrisul e Itaú Unibanco são as instituições que mais devem se beneficiar com o teto para a comissão do intermediário. “Com 31% de participação de mercado e uma posição de liderança, acreditamos que o Banco do Brasil deve se beneficiar mais da redução dos constantes ataques dos ‘pastinhas'”, diz o banco em relatório.
No caso do Itaú, segundo o Brasil Plural, a vantagem decorre da parceria com o BMG, banco l íder no consignado para aposentados. Já para o Banrisul, o benef ício vem do peso que o consignado tem na sua carteira de crédito, de 39%.
Executivos de bancos médios têm receio que os “pastinhas” saiam de cena do mercado de consignado por causa das mudanças de regras. Mesmo com um per íodo de transição, o temor é que o número de “pastinhas” diminua justamente em um momento que o interesse dos grandes bancos pela modalidade vem se reforçando.
“Reconheço o esforço da previdência para colocar o consignado nos trilhos, mas a implementação dessa regra pode ser fatal para o mercado”, afirma Edison Costa, presidente da Aneps, associação que reúne promotores de venda e correspondentes bancários.
Costa acredita que a regra não necessariamente significa o fim da ação “predatória” de alguns intermediários. “Quem alimentou essa fornalha do consignado? O ‘pastinha’ não agiu sozinho.” Segundo o executivo, o principal preju ízo para os intermediários deve vir não do teto da comissão, mas da mudança no seu fluxo de pagamento.
Para o Brasil Plural, a sobrevivência dos “pastinhas” vai depender de uma espécie de reinvenção do negócio. Uma possibilidade é que eles tenham de ofertar mais serviços financeiros além do consignado. “Ao oferecer um leque mais amplo de produtos, o banco consegue criar um v ínculo maior com o pastinha”, diz Eduardo Nishio, analista de instituições financeiras do Brasil Plural.
Esse é outro ponto que pode pesar a favor dos grandes bancos. Com uma maior diversidade de produtos, como seguros, capitalização e previdência, eles podem se beneficiar das mudanças que estão por vir, na avaliação de executivos de bancos de menor porte.
Fonte: Valor Econômico