Bancos terão de repensar modelo de negócios

Os bancos terão de enfrentar o desafio de remunerar o capital adicional – e de melhor qualidade – que será exigido com a implementação das novas regras de Basileia 3, ao mesmo tempo em que o governo pressiona por spreads mais baixos, em um ambiente de menor crescimento econômico. Esse quadro, traçado por Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, vai levar a uma revisão do modelo de negócios das instituições financeiras.
Os ajustes operacionais que os bancos terão de fazer, na avaliação de Setubal, passarão pelo aprimoramento da infraestrutura tecnológica, não só em termos de eficiência de custo, mas também na concessão de crédito. Os bancos de dados das instituições financeiras terão de ser melhor organizados e mais consistentes. A maior eficiência dos modelos de concessão de crédito, segundo Setubal, depende justamente da qualidade desses dados.
“é preciso dar o produto certo para o cliente certo”, disse Setubal ontem, em palestra no Ciab, evento de tecnologia bancária organizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban). O próprio banco de dados do Itaú passa, no momento, por revisão, segundo o executivo. “Os investimentos em tecnologia vão aumentar muito. Aliás, é a única área do banco que está crescendo.”
A queda da taxa Selic veio para ficar, na opinião de Setubal, e um cenário juros em n ível semelhante ao praticado em economias mais maduras também requer esforço extra dos bancos na busca por eficiência. “Juro menor leva a spread menor”, observou o banqueiro.
Além disso, o ritmo de crescimento da oferta de crédito deve arrefecer. “O crédito não vai mais subir no ritmo de 30% ao ano. árvores não crescem até o céu”, afirmou Setubal, para quem os financiamentos deverão apresentar, daqui para frente, expansão semelhante ao da economia ou um pouco acima disso.
A redução adicional do spread bancário dependerá da redução das perdas dos bancos com crédito. Na avaliação de Setubal, existe espaço para a queda do spread desde que seja trabalhada uma agenda técnica que inclui a regulamentação do cadastro positivo, a possibilidade de exigência de mais garantias nas concessões de financiamento e a redução do depósito compulsório – entre outras propostas que já foram levadas ao governo federal pela Febraban.
“Sou favorável à redução do spread e os bancos estão alinhados [com essa diretriz]”, afirmou Setubal. Ao mesmo tempo, o banqueiro rebateu cr íticas constantes de que os bancos têm lucro elevado e, por isso, poderiam reduzir de forma mais significativa a diferença entre seus custos de captação e as taxas cobradas dos clientes.
“Empréstimo exige capital e o capital precisa ser remunerado. O problema não está em margens grandes”, afirmou, acrescentando que a rentabilidade sobre o patrimônio dos bancos vem caindo nos últimos anos e hoje está próxima do custo de capital, em torno de 16% ao ano. “Os lucros são nominalmente altos, mas não a rentabilidade.”
Setubal também chamou atenção para a questão dos subs ídios cruzados existentes nas diversas modalidades de crédito, e citou como exemplo o rotativo do cartão de crédito. “Muito se fala do juro de 15% ao mês do cartão de crédito, mas o volume de crédito parcelado em cinco vezes ou dez vezes sem juro é muito superior ao do rotativo”, destacou. “Quem usa o rotativo está pagando essa conta e essa questão precisa ser resolvida. Os bancos vão ter de endereçar esse tema.”
Enquanto os bancos brasileiros têm pela frente o desafio de remunerar o capital num contexto de corte de taxas, no resto do mundo, especialmente na Europa, as instituições passam por um “delicado momento de transformação”, avalia Setubal.
“Os bancos na Europa e nos Estados Unidos passaram por transformações e recapitalizações, mas ainda há muitos problemas a serem absorvidos. Esse processo não terminou”, disse Setubal.
“Nos Estados Unidos esse processo está mais adiantado, pois os bancos estão mais capitalizados. Logo após a crise os bancos cortaram dividendos e o próprio Tesouro colocou dinheiro em cada um deles. Na Europa, por uma série de razões de governança, isso é muito mais dif ícil de ser coordenado”, comentou Setubal, que está particularmente pessimista com a economia europeia. “A Europa ainda vai passar por cinco ou dez anos de muita dificuldade de crescimento. No fim, o euro até sobrevive, mas com muita dificuldade.”
Para o presidente da Febraban, Murilo Portugal, o Brasil está no limiar “de uma nova era de taxa de juros básica de um d ígito”, e de taxas reais também historicamente baixas.
Durante a abertura do Ciab, Portugal afirmou que a entidade compartilha do desejo do “governo e de toda a sociedade brasileira” por taxas de juros menores.
Ele reiterou que, neste sentido, a Febraban levou uma série de sugestões ao governo federal que poderiam permitir cortes maiores das taxas. O presidente da Febraban não revelou, entretanto, como estão as conversas com o governo para a implementação de tais medidas.
“Vamos continuar trabalhando junto com nossos acionistas e com o governo nesta direção”, disse Portugal. “O Brasil pode criar condições para que esse processo seja bem sucedido.”

Fonte: Valor Econômico

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