O mito sobre a honestidade na ditadura militar

Diante do atual cenário nacional um novo fenômeno vem surgindo. Esta ideia começa a florescer há alguns anos, e durante as manifestações ocorridas no dia 15 de março, bem como nas dominadas por opiniões, ideais, as “;redes sociais “; e até em conversas nos lugares públicos, algumas pessoas têm falado em volta da ditadura militar para acabar com o problema da corrupção. Uma ideia que se lança e expande devido a uma desinformação história, ou ainda por cima se vale do mito que as Forças Armadas são marcadas pela honestidade, quando a realidade mostra o contrário, e não poderia ser diferente.

Infelizmente ou felizmente, a corrupção não é um mal apenas do Brasil, a corrupção, como mostra a história do Brasil e do Mundo é inerente ao capitalismo e a todos os sistemas fundamentados na exploração, na dominação de uma minoria, e penetra todas as instituições e o modo de pensar da sociedade. Por isso, é comum vermos uma pessoa rica bradar contra a corrupção e, ao mesmo tempo, sonegar imposto de imposto de renda ou vender mercadorias contrabandeadas.

Vale lembrar que o Brasil não seria um estreante no quesito ditadura. Afinal, foram 21 anos de história sob o dom ínio militar. Um tempo no qual o povo não sabia, mas que muita coisa acontecia. Além do que estava estampando na realidade do povo, fatores como: arrochar o salário dos trabalhadores, promover um grande desemprego, torturar, matar e esconder os corpos dos revolucionários que lutavam por liberdade, entregar grande parte de nossas riquezas para multinacionais, aumentar a mortalidade infantil e a concentração de renda, a ditadura militar ampliou e desenvolveu a corrupção em nosso pa ís.

A corrupção durante a ditadura

Uma das justificativas para o Golpe Militar de 1964 foi justamente o fadado combate à corrupção, os generais que comandavam a ditadura implantaram os governos mais corruptos da história do Brasil. Porém, devido à censura, à perseguição e morte de jornalistas como Vladimir Herzog, os escândalos de corrupção ficavam encobertos. De 1964 a 1980, o Congresso Nacional ficou proibido de instalar Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar os casos de corrupção. Somente em 1981, cinco antes do fim do regime militar, é que o Congresso instalou a primeira CPI para investigar a corrupção no “;Caso Lutfalla “;, que envolvia diretamente o então governador de São Paulo, Paulo Maluf.

Os escândalos foram muitos. Vejamos alguns deles.

O primeiro governo pós golpe, foi o general Humberto Castelo Branco, em seu governo destruiu uma companhia aérea e passou todos os seus bens para a Varig, cujo dono, Rubem Berta, apoiou o golpe e era amigoíntimo dos militares. Já na época, a Panair do Brasil era a maior companhia aérea do Pa ís, mas por meio de um telegrama do ministro Eduardo Gomes, da Aeronáutica, teve sua licença para voar cassada e o patrimônio confiscado porque o grupo acionário era ligado a Juscelino Kubitschek, opositor do regime. No mesmo dia, os hangares da empresa foram ocupados por soldados da Aeronáutica e a Varig assumiu todas as rotas internacionais da rival.

D ívidas

Não bastasse todo esse mar de lama, a d ívida externa brasileira, que era de US$ 3,2 bilhões em 10 de abril de 1964, passou para 100 bilhões de dólares em 1984. Um crescimento de 10.000%. E até hoje nenhuma autoridade econômica da ditadura explicou este impressionante crescimento da d ívida.

Tem mais: a entidade internacional World Population apurou que, em 1979, morriam 52 crianças por hora no Brasil. A desnutrição foi responsável, neste mesmo ano, por 52,4% dos óbitos entre crianças de até cinco anos de idade e, em 1984, o pa ís tinha 25 milhões de menores carentes e abandonados. Em uma entrevista ao jornal O Globo, de 28 de junho de 1987, o pediatra Yvon Rodrigues, da Academia Nacional de Medicina, afirmou que uma pesquisa realizada pelo próprio governo militar, mas não publicada devido a seus resultados aterradores, descobriu que no Brasil “;havia fam ílias que comiam ratos, crianças que disputavam fezes… “;. (A Verdade, nº 167)

Nepotismo e superfaturamento de obras

No governo do general Costa e Silva, os escândalos aumentaram. Em seu livro Brasil, de Castelo a Tancredo, o historiador Thomas Skidmore informa que Costa e Silva foi acusado pelo general Moniz Aragão “;de obter favores para seus parentes “;.

Emanuel da Costa e Silva, irmão do presidente da República e funcionário público aposentado, foi nomeado aos 65 anos de idade para o cargo de ministro do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul pelo governador Peracchi Barcelos a pedido do general Costa e Silva. A indicação foi considerada irregular pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa, pois o sr. Emanuel da Costa e Silva não possu ía os requisitos exigidos por lei para o cargo -; conhecimentos jur ídicos, financeiros e administrativos -; e, como aposentado, com mais de 60 anos, contrariava outra exigência constitucional.

Dona Iolanda, mulher do general Costa e Silva, entrou para a História como a primeira-dama que mais festas realizou em Bras ília. Promoveu diversos desfiles no palácio do governo, além de ricos jantares e longas rodadas de pôquer no Palácio da Alvorada, que iam até o sol raiar. Dulce Figueiredo, esposa do general Figueiredo, preferia as festas no Rio. Era comum requisitar o avião presidencial para decolar rumo ao Rio e dançar em festas abrilhantadas pela presença do ator Omar Shariff com muito champanhe e caviar importados.

Outro caso suspeito, mas nunca investigado, foi a compra, pelo governo militar, de 195 vagões para a Rede Ferroviária Federal da empresa norte-americana General Electric, embora o presidente da GE, Thomas Smiley, tenha confessado que pagou suborno à direção da Rede Ferroviária para a venda ser concretizada. O detalhe é que, então, coronel álcio Costa e Silva, filho do ex-presidente Costa e Silva, era diretor da General Electric. Outro caso foi o superfaturamento na construção da Ponte Rio-Niterói e da Ferrovia do Aço, em 1976 e 1977, e na aquisição de guindastes pelo Departamento Nacional de Vias de Navegação durante a gestão do ministro Mário Andreazza.

Geisel, Golbery e a Dow Qu ímica

No governo do general Ernesto Geisel não foi diferente. Sob o argumento de desenvolver o Nordeste, o general Geisel criou o polo petroqu ímico de Camaçari, na Bahia. Mas, por trás dessa decisão, estava a intenção de favorecer a instalação da Dow Qu ímica, empresa da qual o general Golbery do Couto Silva foi consultor e presidente antes de se tornar ministro de Geisel. A revista alemã Der Spiegel também denunciou a corrupção que envolveu a construção das usinas nucleares Angra I e II, assim como o Acordo Nuclear Brasil-Alemanha firmado em 1975. As usinas nucleares foram constru ídas com tecnologia mais cara e ultrapassada da multinacional Westinghouse. As obras ficaram com a sempre suspeita Odebrecht.

Em 1978, mesmo sofrendo censura, o jornal Movimento denunciou o favorecimento da empresa Jary Florestal e Agropecuária, de propriedade do norte-americano Daniel Ludwig, pelo governo militar, que cedeu terras públicas da Amazônia para a empresa estrangeira. A denúncia, também até hoje não investigada, relatava que Heitor Ferreira, secretário particular do presidente Geisel, foi funcionário do sr. Ludwig até assumir o cargo no governo e agiu no governo para beneficiar seu antigo patrão.

O Grupo Delfin

No final de 1982, o jornalista José Carlos de Assis denunciou que o Grupo Delfin, maior empresa privada de crédito imobiliário da época, tinha d ívida de 80 bilhões de cruzeiros com o Banco Nacional de Habitação (BNH). Para pagá-la, entregou dois terrenos, no valor de 9 bilhões. Vinte dias depois da reportagem ser publicada, 30 de dezembro de 1982, ocorreu a falência do Grupo Delfin pela retirada de fundos realizada pelos seus clientes. Em 1983, o Banco Central decretou intervenção no Grupo Delfin.

Em 1991, o empresário fechou um acordo com o Banco Central que lhe permitia levar o que havia sobrado da Delfin, aproximadamente 300 milhões, e pagar a d ívida em 13 anos, com dois anos de carência. Em 16 de março de 2006, o Supremo Tribunal de Justiça reconheceu como justo e apropriado o pagamento da d ívida da Delfin com os dois imóveis que equivaliam a 11% do valor da d ívida, e assim terminou mais um caso de corrupção na ditadura militar. Quase todos os ministros que serviram à ditadura possu íam dezenas de empregados domésticos em suas residências em Bras ília, onde eram promovidos jantares e festas, todas as semanas. O ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, tinha à sua disposição 28 empregados domésticos; ele e sua fam ília consumiam por mês 954 quilos de carne, 600 quilos de arroz, 432 quilos de manteiga e 90 dúzias de ovos.

Ditadura nunca mais!

Para garantir esse mar de lama, comunistas foram presos e perseguidos; entidades estudantis fechadas e universidades invadidas pela pol ícia; sindicatos sofreram intervenção, lideranças sindicais foram detidas e greves proibidas. A imprensa foi amordaçada, dezenas de jornalistas colocados na cadeia e as redações invadidas por policiais para censurar os jornais; canções e peças teatrais eram censuradas todos os dias e atores e cantores eram presos. No total, a ditadura militar torturou fisicamente 20 mil pessoas, prendeu 50 mil pessoas, cassou 7 mil militares e assassinou centenas de operários e camponeses.

Mas não pense, caro leitor, que após o fim da ditadura os generais deixaram de meter suas mãos no dinheiro público. Segundo o Tribunal de Contas da União TCU), 25 oficiais, incluindo oito generais e seis coronéis, fraudaram licitações, realizaram contratos superfaturados e desviaram pelo menos 15 milhões de reais entre 2003 e 2009. Para o TCU, ocorreram fraudes em 88 licitações do Exército, além de suspeitas de roubo de materiais de construção e favorecimento de empresas. Somente um dos oficiais, tido como maior responsável pela articulação das falcatruas, conseguiu formar um patrimônio de R$10 milhões em imóveis. Mas, também nesse caso, a impunidade impera, e nenhum general foi preso. (Carta Capital, nº 666)

Por isso, os trabalhadores, a juventude e o povo brasileiro precisam gritar sempre e bem alto: ditadura nunca mais!

Como eliminar a corrupção

Diante disso parece não haver solução para combater uma corrupção enraizada na cultura nacional, porém isso não quer dizer que ela não possa ser eliminada. Na verdade, não só pode, como deve. O problema e consequentemente a sua solução partem da base estrutural, de formação como cidadão, que envolve ambiência familiar, social, religião, economia, estrutura educacional etc. Assim para iniciar um processo de mudança o cerne está, primordialmente, na educação, na mudança de legislação para evitar a impunidade, pois à medida que se obtém benef ícios através da rede il ícita de corrupção, renega-se os milhares de brasileiros. Tudo isso começa agora: no partido, nas organizações de massa, nos movimentos sociais, nas entidades que dirigimos, e não apenas após a tomada do poder.

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